Políticas da morte: Covid-19 e os labirintos da cidade negra

Ana Luiza Pinheiro Flauzina, Thula Rafaela de Oliveira Pires

Resumo


O presente artigo tem por objetivo debater as dinâmicas das políticas públicas nos marcos das articulações de gênero e raça no Brasil, tomando a pandemia da covid-19 como cenário. Considerando a vulnerabilidade do povo negro no que se refere ao cumprimento do isolamento social, inquere-se sobre o alcance das políticas públicas adotadas para a proteção desse contingente populacional. Tendo em conta uma geografia espacial urbana assentada em projetos de letalidade, o que se observa é um investimento na proteção da cidade branca, nos termos propostos por Frantz Fanon, a despeito da necessidade de proteção das pessoas negras. Assim, entende-se a cidade negra, como uma cidade-mulher, em que as devassidões do terror do Estado podem ser perpetradas sem questionamentos. No polo oposto desses territórios, estão os imóveis frutos da especulação imobiliária resguardados pelos pactos das elites e que poderiam servir de guarida para milhares de pessoas emergencialmente no contexto da pandemia. O genocídio negro, portanto, vai se desenhando também na concretude da segregação racial urbana no horizonte da pandemia. No que tange à metodologia, o artigo propõe um olhar alinhado com o feminismo ladino amefricano tal como proposto Lélia Gonzalez, consolidando uma narrativa que acessa o objeto de investigação pelas necessárias imbricações de gênero, raça, classe e sexualidade

Palavras-chave


Cidade negra, Cidade branca, Racismo, Covid-19, Gênero, Pandemia.

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DOI: https://doi.org/10.5102/rbpp.v10i2.6931

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