Políticas públicas de prevenção ao feminicídio e interseccionalidades

Thiago Pierobom de Ávila, Marcela Novais Medeiros, Cátia Betânia Chagas, Elaine Novaes Vieira, Thais Quezado Soares Magalhães, Andrea Simoni de Zappa Passeto

Resumo


Apresenta-se resultado de pesquisa de análise documental regressiva de processos judiciais, de registros de saúde, e por entrevistas semiestruturadas, com método misto quantitativo e qualitativo, que analisou 34 casos de feminicídio consumado em contexto de violência doméstica e familiar contra a mulher ocorridos no Distrito Federal, durante os anos de 2016 e 2017. Realizou-se análise temática sobre como as políticas de prevenção primária e secundária poderiam ter contribuído para evitar as mortes destas mulheres, à luz do referencial teórico sobre a interseccionalidade de gênero, raça e classe, e das políticas públicas de prevenção à violência contra as mulheres. A pesquisa documentou que todos os casos estavam relacionados a representações sexistas sobre a mulher enquanto propriedade do homem e/ou sobre a autoridade masculina na família. Há uma hiper-representação de mulheres negras e em condições de desigualdade social. Estes achados indicam a necessidade da múltipla transversalidade das perspectivas de gênero, raça e classe nas políticas públicas de prevenção à violência de gênero. A pesquisa também documentou áreas de possível aperfeiçoamento nas políticas de saúde, como a necessidade de notificação compulsória e articulação com os serviços de apoio psicossocial a mulheres e homens, saúde materno-infantil, álcool e outras drogas, saúde mental e suicídio, gravidez na adolescência, e planos de segurança para contextos situacionais de risco. O trabalho proporciona uma contribuição original ao correlacionar o perfil criminológico do feminicídio e o histórico de acionamento da rede de proteção com recomendações de aprimoramento das políticas públicas de prevenção primária e secundária.

Palavras-chave


Políticas públicas; Prevenção; Feminicídio; Violência de gênero; Interseccionalidades.

Texto completo:

PDF

Referências


ALMEIDA, Iris; SOEIRO, Cristina. Avaliação de risco de violência conjugal: versão para policiais (SARA:PV). Análise Psicológica, v. 1, n. 28, p. 179-192, 2010.

ASSIS, Tiago Ferreira de; DESLANDES, Suely Ferreira. A percepção dos agentes institucionais sobre a rede especializada de atendimento às mulheres que sofrem violência por parceiro íntimo. In: PASINATO, Wania et al. (Orgs.). Políticas públicas de prevenção à violência contra a mulher. São Paulo: Marcial Pons, 2019. p. 159-179.

ÁVILA, Thiago André Pierobom de. Políticas públicas de prevenção primária à violência contra a mulher: lições da experiência australiana. Revista Gênero, v. 17, n. 2, p. 95-125, 2017.

ÁVILA, Thiago Pierobom de. Notificação compulsória e comunicação externa em casos de violência doméstica contra a mulher. In: STEVENS, Cristina et al. (Orgs.). Mulheres e violências: interseccionalidades. Brasília: Technopolitik, 2017, p. 523-545.

BANDEIRA, Lourdes Maria. Violência de gênero: a construção de um campo teórico e de investigação. Sociedade & Estado, v. 29, n. 2, p. 449-469, 2014.

BANDEIRA, Lourdes Maria; ALMEIDA, Tania. Mara Campos de. A transversalidade de gênero nas políticas públicas. Revista do CEAM, v. 2, n. 1, p. 35-46, 2013.

BRASIL. II Plano Nacional de Políticas para as Mulheres. Brasília: SPM, 2008.

BRASIL. Parâmetros Curriculares Nacionais: terceiro e quarto ciclos: apresentação dos temas transversais. Brasília: MEC/SEF, 1998.

BRASIL. Plano Nacional de Políticas para as Mulheres 2013-2015. Brasília: SPM, 2012.

BRASIL. Plano Nacional de Políticas para as Mulheres. Brasília: SPM, 2004.

BRASIL. Política Nacional de Enfrentamento à Violência contra a Mulher. Brasília: SPM, 2011a.

BRASIL. Rede de enfrentamento à violência contra as mulheres. Brasília: SPM, 2011b.

BRAUN, Virginia; CLARKE, Victoria. Using thematic analysis in psychology. Qualitative Research in Psychology, v. 3, n. 2, p. 77-101, 2006.

CARIDADE, Sónia; SAAVEDRA, Rosa; MACHADO, Carla. Práticas de prevenção da violência nas relações de intimidade juvenil: orientações gerais. Análise Psicológica, v. 30, n. 1-2, p. 131-142, 2012.

CARNEIRO, Suelaine. Mulheres negras e violência doméstica: decodificando os números. In: PASINATO, Wania et al. (Orgs.). Políticas públicas de prevenção à violência contra a mulher. São Paulo: Marcial Pons, 2019. p. 205-224.

CERQUEIRA, Daniel e BUENO, Samira (Coords). Atlas da violência 2019. Brasília: IPEA, FBSP, 2019.

CODEPLAN. PDAD - Pesquisa Distrital por Amostragem de Domicílios. Brasília: CODEPLAN, 2018.

CONCHA-EASTMAN, Alberto; MALO, Miguel. Da repressão à prevenção da violência: desafio para a sociedade civil e para o setor saúde. Ciência & Saúde Coletiva, v. 11 supl., p. 1179-1187, 2006.

CRENSHAW, Kimberlé. Documento para o encontro de especialistas em aspectos da discriminação racial relativos ao gênero. Revista Estudos Feministas, v. 10, n. 1, p. 171-188, 2002.

DAWSON, Myrna (Org.). Domestic homicides and death reviews: an international perspective. Londres: Palgrave Macmillan, 2017.

DINIZ, Debora (Coord.). Radiografia dos homicídios por violência doméstica contra a mulher no Distrito Federal. Brasília: ANIS, 2015.

DINIZ, Debora; GUMIERI, Sinara. Implementação de medidas protetivas da Lei Maria da Penha no Distrito Federal entre 2006 e 2012. In: PARESCHI, Ana Carolina Cambreses; ENGEL, Cíntia Liara; BAPTISTA, Gustavo Camilo (Orgs.). Direitos humanos, grupos vulneráveis e segurança pública. Brasília: Ministério da Justiça e Cidadania, 2016. p. 205-231.

DISTRITO FEDERAL. Questionário de avaliação de risco no Distrito Federal. Brasília: MPDFT, 2016. Disponível em: . Acesso em: 1º maio 2020.

ELLSBERG, Mary et al. Prevention of violence against women and girls: what does the evidence say? The Lancet, v. 385, n. 9977, p. 1555-1566, 2015.

FBSP; DATAFOLHA. Visível e invisível: a vitimização de mulheres no Brasil. 2ª ed. São Paulo: FBSP e Datafolha, 2019.

FLAUZINA, Ana Luiza Pinheiro. Lei Maria da Penha: entre os anseios da resistência e as posturas da militância. In: VVAA. Discursos negros: legislação penal, política criminal e racismo. Brasília: Brado Negro, 2015. p. 115-144.

GARCIA, Leila Posenato et al. Violência doméstica e familiar contra a mulher: estudo de casos e controles com vítimas atendidas em serviços de urgência e emergência. Cadernos de Saúde Pública, v. 32, n. 4, e00011415, p. 1-11, 2016.

GOMES, Camila de Magalhães. Têmis travesti: as relações de gênero, raça e direito para uma narrativa expansiva do “humano”. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2019.

HEISE, Lori L. What works to prevent partner violence: an evidence overview. Londres: Strive, 2011.

HEISE, Lori L.; KOTSADAM, Andreas. Cross-national and multi-level correlates of partner violence: an analysis of data from population-based surveys. Lancet Global Health, v. 3, 2013.

IPEA. Nota técnica: a institucionalização das políticas públicas de enfrentamento à violência contra as mulheres no Brasil. Brasília: IPEA, 2015.

JANCZURA, Rosane. Risco ou vulnerabilidade social? Textos & Contextos, v. 11, n. 2, p. 301-308, 2012.

JEWKES, Rachel. Intimate partner violence: causes and prevention. The Lancet, v. 359, p. 1423-1429, 2002.

KELLY, Liz; WESTMARLAND, Nicole. Domestic violence perpetrators programs: project Mirabal final report. Londres e Durham: London Metropolitan University, Durham University, 2015.

LUGONES, María. Rumo a um feminismo descolonial. Estudos Feministas, v. 22, n. 3, p. 935-952, 2014.

MARCONI, Marina de Andrade; LAKATOS, Eva Maria. Fundamentos da metodologia científica. 5ª ed. São Paulo: Atlas, 2003.

MCCULLOCH, Jude et al. Review of the family violence risk assessment and risk management framework (CRAF): final report. Melbourne: Monash University, 2016.

MEDEIROS, Marcela Novais. Avaliação de risco em casos de violência contra a mulher perpetrada por parceiro íntimo. 2015. Tese (Doutorado) – Programa de Pós-Graduação em Psicologia Clínica e Cultura, Instituto de Psicologia, Universidade de Brasília, 2015.

MENDES, Soraia da Rosa. Criminologia feminista: novos paradigmas. 2ª ed. Brasília: IDP, 2017.

MOTTA, Filipe; CAMPOS, Bárbara Lopes. Estado de bienestar social y políticas públicas para mujeres en países nórdicos y América Latina: De la sociedad civil a la institucionalización. Sexualidad, Salud y Sociedad, Revista Latinoamericana, n. 33, p. 158-179, 2019.

NOTHAFT, Raíssa Jeanine; BEIRAS, Adriano. O que sabemos sobre intervenções com autores de violência doméstica e familiar? Revista de Estudos Feministas, v. 27, n. 3, e56070, 2019.

ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DE SAÚDE. Prevenção da violência sexual e da violência pelo parceiro íntimo contra a mulher: ação e produção de evidência. Genebra: OMS, 2012.

ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DE SAÚDE. Relatório mundial sobre violência e saúde. Genebra: OMS. 2002.

PASINATO, Wânia. Acesso à justiça e violência contra a mulher em Belo Horizonte. São Paulo: Annablume/FAPESP. 2012.

PASINATO, Wania; LEMOS, Amanda Kamanchek. Lei Maria da Penha e prevenção da violência doméstica e familiar contra a mulher. In VIZA, Ben-Hur; SARTORI, Myrian Caldeira; ZANELLO, Valeska (Orgs.). Maria da Penha vai à escola: educar para prevenir e coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher. Brasilia: TJDFT, 2017. p. 11-23.

PASINATO, Wania; MACHADO, Bruno Amaral; ÁVILA; Thiago Pierobom de (Orgs.). Políticas públicas de prevenção à violência contra a mulher. São Paulo: Marcial Pons, 2019.

PITANGUY, Jacqueline; BARSTED, Leila Linhares. Violência contra as mulheres e homens autores de violência: os serviços de responsabilização. In: PASINATO, Wania et al. (Orgs.). Políticas públicas de prevenção à violência contra a mulher. São Paulo: Marcial Pons, 2019. p. 253-274.

PORTELLA, Ana Paula. Para além da violência doméstica: o reconhecimento das situações de feminicídio como imperativo para a eficácia das políticas de prevenção. In: PASINATO, Wania et al. (Orgs.). Políticas públicas de prevenção à violência contra a mulher. São Paulo: Marcial Pons, 2019. p. 109-131.

RIBEIRO, Wagner S.; ANDREOLI, Sérgio B.; FERRI, Cleusa P; PRINCE, Martin; MARI, Jair Jesus. Exposição à violência e problemas de saúde mental em países em desenvolvimento: uma revisão da literatura. Revista Brasileira de Psiquiatria, v. 31 (supl. 2), p. S49-S57, 2009.

ROMIO, Jackeline Aparecida Ferreira. A vitimização de mulheres por agressão física, segundo raça/cor no Brasil. In: MARCONDES, Mariana Mazzini et al. (Orgs.). Dossiê mulheres negras: retrato das condições de vida das mulheres negras no Brasil. Brasília: IPEA, 2013. p. 133-158.

SEGATO, Rita Laura. Las estructuras elementales de la violencia: ensayos sobre género entre la antropología, el psicoanálisis y los derechos humanos. Bernal: Universidad Nacional de Quilmes, 2003.

SIGNORELLI, Marcos Claudio; TAFT, Angela; PEREIRA, Pedro Paulo Gomes. Domestic violence against women, public policies and community health workers in Brazilian Primary Health Care. Ciência & Saúde Coletiva, v. 23, n. 1, p.93-102, 2018.

SOARES, Gláucio Ary Dillon. Matar e, depois, morrer. Opinião Pública, v. 8, n. 2, p. 275-303. 2002.

TARUFFO, Michele. La prueba de los hechos. Trad. De Jordi Ferrer Beltrán. 2ª ed. Madri: Trotta, 2005.

VICTORIA. MABELS project: mothers and babies engaging & living safely. Melbourne: Victorian Legal Services Board and Commissioner, 2016.

VIEIRA, Luiza Jane Eyre de Souza et al. Fatores associados à sobreposição de tipos de violência contra a mulher notificada em serviços sentinela. Revista Latino-Americana de Enfermagem, v. 21, n. 4, p. 1-8, 2013.

WAISELFISZ, Júlio Jacob. Mapa da Violência 2015: homicídios de mulheres no Brasil. Brasília: Flacso, 2015.

WILSON, Ingrid M.; GRAHAM, Kathryn; TAFT, Angela. Alcohol interventions, alcohol policy and intimate partner violence: a systematic review. BMC Public Health, v. 14, n. 881, p. 1-11, 2014.

ZANELLO, Valeska. Violência de gênero contra as mulheres e saúde mental: psiquiatrização, silenciamento e invisibilidades. In: PASINATO, Wania et al. (Orgs.). Políticas públicas de prevenção à violência contra a mulher. São Paulo: Marcial Pons, 2019. p. 135-158.




DOI: https://doi.org/10.5102/rbpp.v10i2.6800

ISSN 2179-8338 (impresso) - ISSN 2236-1677 (on-line)

Desenvolvido por:

Logomarca da Lepidus Tecnologia